sexta-feira, 12 de junho de 2009

Uma breve observação sobre a pesquisa científica em tempos de exaltação do social, artigo de Carlos Saldanha

JC e-mail 3782, de 12 de Junho de 2009.
http://www.jornaldaciencia.org.br/Detalhe.jsp?id=64044
Carlos Saldanha é pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz (carlos.saldanha@pq.cnpq.br). Artigo enviado pelo autor ao “JC e-mail”:

Tradicionalmente, é dito que existem dois tipos de pesquisa, a pesquisa fundamental de um lado, e a pesquisa aplicada de outro: a primeira visaria determinar as leis gerais da matéria, da vida, do universo ou do comportamento humano; a segunda produziria conhecimentos que poderiam ser mobilizados para agir sobre o real ou resolver problemas práticos.

Mas hoje a tendência é de apagar a fronteira que separa esses dois tipos de pesquisa. Tal evolução se explica, por um lado, por um fato que se tornou incontestável: como o mercúrio das nossas experiências escolares, as ideias científicas seguem caminhos impossíveis de prever: elas se espalham, se fragmentam, se reencontram para formar novas confluências, novos deltas, o que torna seu destino final, com frequência, surpreendente.

Mil e um exemplos tomados da história das ciências mostram que é impossível imaginar o que serão as eventuais aplicações de uma pesquisa a priori puramente cognitiva.

O espaço da pesquisa deve, portanto, ser pensado como um continuum no interior do qual é difícil localizar fronteiras verdadeiramente estanques.

Isso não significa que a distinção entre pesquisa fundamental e pesquisa aplicada não tenha nenhuma pertinência, nem que se pode colocar em pé de igualdade simbólica diferente tipos de atividades que constituem a ciência: para construir esta última, foi preciso que um modelo relativamente perfeito fosse proposto para ela, definindo de uma vez por todas o próprio conceito de ciência como construção pura e separada de toda preocupação que não fosse aquela do seu próprio edifício.

As coisas hoje em dia estão completamente entrecruzadas. Todos os tipos de pesquisa entraram em simbiose, a ponto de qualquer que seja seu setor de atividade, os pesquisadores trabalharem num vasto contexto englobando desafios ao mesmo tempo acadêmicos, políticos, econômicos e industriais.

Concebe-se que está evolução tenha modificado profundamente, ao longo das últimas décadas, o exercício e as finalidades da pesquisa. Podemos nos perguntar se a ciência tem ainda por objetivo principal conhecer o mundo, criar conceitos. Mas não passamos, progressivamente, de fato, de um regime onde ciência e técnica estavam ligadas por complexas relações para o império de uma vasta tecnociência, isto é, um regime onde as duas se confundem e perdem sua autonomia?

Comentário
Devido ao extremo domínio da tecnologia sobre a ciência, acredito que a ciência ainda deveria ter como principal objetivo conhecer o mundo, criar (novos) conceitos. Em função deste domínio da tecnologia, não gosto do termo tecnociência. Seria melhor se tivéssemos uma sociociência. Ainda vou pensar mais.

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